Estava a pensar na função do espelho: que é a de retransmitir a imagem que se apresenta na sua frente; independente de ser bonita, feia, velha ou nova, pintada, ou não. O espelho não questiona. No entanto, quando colocado na casa de banho e após um bom duche quente, e por força do vapor de água, o espelho fica embaciado e ainda que se limpe prontamente com uma toalha, também ela exposta ao correspondente vapor de água, a verdade é que quem queira cortar a barba, ou pentear-se a preceito, as condições quasi não o existem. A imagem aparece embaciada, cinzenta, descaraterizada, pelo que o ato de cortar a barba, ou pentear-se, de certa forma será conseguido um pouco aleatoriamente e de acordo com a perceção pessoal de cada verruga, da textura facial, ou de cada onda, ou canudo do cabelo.
Depois de se passar um bom after shave e o pente pelo cabelo, a pessoa faz-se ao labor da vida com toda a normalidade possível; deixa de se ralar com o espelho, querendo passar o seu ar mais distinto, confiante, e de imagem intocável. Ainda, que isso, possa não corresponder ao que os outros possam ver, ou pensar do indivíduo, é assim que o indivíduo se vê.
De certa forma, corresponde ao sentido de abstração com que o indivíduo analisa o que o rodeia; como se vê; no que deseja; no que acredita, ou não.
No relato bíblico e no que toca aos discípulos e até apóstolos, a exposição da palavra de Deus por vezes põe a desnudo a natureza humana. E logo vem ao de cima, certas abstrações, pelo que me proponho reproduzir uma dessas: ____ João 20: 24-25 ____ ” Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe então os outros discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele responde: Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o meu dedo, e não puser a minha mão no seu lado, de modo algum acreditarei”.
Ora, Tomé era apóstolo, tinha presenciado tal como todos ou outros discípulos, os muitos sinais que Jesus fizera em seu ministério, bem como bebeu de todo o ensino. (Digo, terá frequentado o mesmo curso teológico que os outros apóstolos). No entanto, a sua natureza humana levou-o a abstrair-se de uma tal construção, que não fosse a sua própria conceptualização.
Por curioso ele estava presente quando Jesus indagou os discípulos: quem dizia a multidão que ele (Jesus) era? “Responderam-lhe eles: João Batista, mas outros, Elias; e ainda outros dizem que ressurgiu um dos antigos profetas. Mas, vós, perguntou ele, quem dizeis que eu sou? Então falou Pedro, e disse: És o Cristo de Deus” (Lucas 9:18-20).
Não consta do texto bíblico, que Tomé fosse surdo. Ele ouviu perfeitamente a pergunta de Jesus, tal qual os outros apóstolos.
Só Pedro tomou a iniciativa de responder, e ele não contestou. Estava implicitamente a concordar com Pedro na afirmação. Mas, se ao longo do ministério de Jesus, ele, Tomé, o seguiu, viu os seus milagres, ouviu a afirmar-se por várias vezes o ser o filho de Deus, o Deus entre os homens, porquê a dúvida? Porquê da discordância neste preciso momento, para com a constatação dos outros?
Não estou a querer por em dúvida a salvação de Tomé, na medida em que o próprio Jesus afirma que “só o filho da perdição se perdeu, para se cumprir as escrituras”. Logo portanto, a fé salvífica estava presente em Tomé. Mas a verdade pura e crua, é que a natureza humana de Tomé viera ao de cima, assim como de Pedro em outra referência bíblica, e outros tantos patriarcas em determinadas circunstancias. Porque a bíblia é a palavra de Deus para os homens, e fala da relação entre os homens que são imperfeitos e, Deus que é perfeito.
De certa forma, em momentos da vida, nós somos os Tomé, os Pedro, nas nossas próprias abstrações, na medida que somos todos pecadores e dependentes da justificação por intermédio de Jesus o Cristo. Este, o nosso ilustríssimo advogado. Se assim não fora, não existia salvação.
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